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domingo, 31 de dezembro de 2006

Tempus sine nomine


Adicione uma chuvinha teimosa e um belo resfriado a um dia de domingo pra ver no que dá: esta falta de jeito pra fazer qualquer coisa. Um pouco de música, um tanto de leitura, mais um tempinho com jogos, um pouco de conversa... Temos aí um dia escorregadio, passando entre coisas, sem se deter em nada. As últimas horas do ano escorrendo.
Esquisito é se afastar um pouco do próprio pensamento e dar por si mesmo numa sequência de dias que existem independentes de nós. E no fim toda a definição (arbitrária) que damos à passagem do tempo (horas, meses, etc.) é o que importa. "31 de dezembro" parece ser um lado, "01 de janeiro", o outro lado de um lapso no tempo. E nós ficamos no intervalo do dia que passa, fronteira entre o passado e o futuro de nós mesmos. De nosso, verdadeiramente nosso, só este dia que está se acabando, este dia sem nome, sem milagre e sem enfeite...
E eu deveria dizer, seguindo os meus próprios descaminhos: "Feliz Intervalo Novo", um brinde ao tempo sem janeiro-fevereiro, à vida sem número. Um brinde a tudo que se passa para além da janela, anonimamente...
Não poderia terminar sem deixar aqui um pedacinho inesquecível da minha leitura de hoje, de um conto do Saramago (O Conto da Ilha Desconhecida):

"Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar"

Chaos et vita.

sábado, 30 de dezembro de 2006

Esquadros

Uma pausa, um pouco de cor na monotonia desse p&b...

Esquadros
Adriana Calcanhoto
Composição: Adriana Calcanhoto

eu ando pelo mundo prestando atenção
em cores que eu não sei o nome
cores de almodóvar
cores de frida kahlo, cores
passeio pelo escuro
eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
e como uma segunda pele, um calo, uma casca,
uma cápsula protetora
eu quero chegar antes
pra sinalizar o estar de cada coisa
filtrar seus graus
eu ando pelo mundo divertindo gente
chorando ao telefone
e vendo doer a fome nos meninos que têm fome

pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle

eu ando pelo mundo
e os automóveis correm para quê?
as crianças correm para onde?
transito entre dois lados de um lado
eu gosto de opostos
exponho o meu modo, me mostro
eu canto pra quem?

pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle

eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
minha alegria, meu cansaço?
meu amor cadê você?
eu acordei
não tem ninguém ao lado

pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle

(imagem: Janela do Ateliê em Saint-Remy, Van Gogh, 1889)

sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Caóptica


Tentativa de representação... (o sujeito curvado sobre o peso do caos sou eu...)

verbomosaico

Outros fragmentos. E desta vez vai um título nada explícito. Também, se continuasse a sequência de "Fragmentos...", isso ficaria (mais) repetitivo e, claro, com uma dose extra de chatice. Hum... E é bom eu dizer logo que a minha intenção inicial era justamente esta: deixar aqui qualquer coisa (de autoria minha ou não) que sirva para me explicar. Com trechos, pedaços, costurar a colcha de retalhos da minha mente. Ou, mais dolorosamente nítido, juntar os cacos. Dos estilhaços fazer um mosaico, estabelecer uma nova ordem (psíquica, por enquanto) partindo do caos, sem tirar o deslumbre da desordem...
Agradeço à Maria Bertoche pelos melhores diálogos (e pelas dores de cabeça mais proveitosas) que eu já tive. A ela devo a descoberta de uns bons egofragmentos...


Rodrigo: (...) O que digo sobre mim é só um jeito de me sentir menos tolo do que os outras pessoas. Ser consciente da minha própria decadência é algo tão cheio de abismos que eu prefiro ser-para-os-outros, e ser justamente o delírio do que eu sou, blábláblá e etc. Com pedaços do que eu poderia ter sido ontem monto um mosaico bem bizarro, porém convincente, chego até a ser um bom amigo. Quem escreveu "Conhece-te a ti mesmo" (ah, um cara aí hehe), devia ter completado com "...por meio do engano".
Mais uma vez Manoel de Barros diz mais do que eu consigo com "filosofalhas":

"Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade"

Descobri a verdade como se tivesse encontrado um astrolábio ou um mapa de navegação de 500 anos atrás: já não serve...
Estou agindo como alguém que pensa entender, como um pessimista, ah, qualquer personagem desses muitos perdidos por aí...(...) (04/06/2006)

Rodrigo: Momento-confissão: eu sou um encadeamento de abismos abertos com simples palavras. E num quase big-bang eu continuo me fragmentando desde o dia em que me descobri sozinho diante de um caos que é só meu. Sou a ilha que eu mesmo criei para morar. E blábláblá, e "nocividades" sem fim... (05/06/2006)

Rodrigo: (...) A idéia que temos dos outros-vigiando-nossos-movimentos é a engrenagem que faz girar a vida humana. A lei dos outros, a Orientação Sábia dos Outros... A grande ditadura... (05/06/2006)

Maria: Mas não é à toa que é um grande problema da humanidade, esse. Adoramos falar que não, que "não importa o que os outros pensam de mim", mas no fundo é pra isso que mais ligamos. Fazemos bem, de certo modo. Se compilarmos tudo o que todos acham de nós devemos chegar a um personagem bem bacana. E talvez até mais verdadeiro do que aquele que achamos que somos. Acho que nossa relação com o mundo vale mais do que a de nós conosco, essa última é um tanto sem graça, na maioria das vezes, no mínimo vazia... Não seria a mesma coisa encenar se ninguém assistisse, mesmo que as melhores peças nunca tenham saído de dentro do quarto, da frente do espelho. 06/06/2006

Rodrigo: Olha, Maria, a vida é uma tragicomédia complicada demais para nosso pensamento estreito. A gente vai do riso ao choro, do ridículo ao sublime, sem ao menos enxergar todas as possibilidades, todas as trajetórias possíveis e impossíveis... Só pegamos uns poucos "flashes" da nossa própria atuação. Que miséria! Caindo e levantando, vamos acrescentando a nós mesmos coisas alheias, idéias alheias, pedaços de vidas alheias, numa tentativa (talvez) de conseguir um controle maior, ou pelo menos a ilusão de um controle maior sobre o que se passa à nossa volta. Então ficamos bem, e tudo é mais nosso do que a própria vida. Seria cômico, não fosse trágico. É. Seria trágico, não fosse cômico.
E subvertendo, e acrescentando, e representando nós vamos fingindo que somos originais, conscientes e, talvez, humanos... (07/06/2006)

Rodrigo: Ah, não dá para fingir que estamos a salvo nesta ilha (Orkut, nada sutil). Todo mundo espiona mesmo. A vida dos outros, não sei por que razão, sempre parece mais palpitante, mais instigante do que a nossa. Aqui as coisas ficam fáceis, passamos da estranheza à amizade de infância em questão de minutos. A máxima banalização... Sabemos que estamos sujeitos a tudo isso, mas queremos ser vistos, notados, observados, quase dissecados... Se não quiséssemos, era só não entrar nessa onda... É ou não é? (11/06/2006)

Maria: Queremos, infelizmente, precisamos ser queridos... Isso é triste.

Maria: A busca por ser aceito mereceria muitas divagações. Mas ela me encabula, não sei falar dela, não sei quando, onde ou porquê, só sei que existe, e é deprimente. Fazemos cada coisa pra sermos percebidos! Até fingimos que pensamos!Queremos platéia, no fundo queremos platéia. E uma bem atenta, cuidadosa, carinhosa. Gostaríamos tanto se todos da platéia fossem como os últimos - os amigos -, que, em busca deles, ou só por saber não ser possível todos serem, aceitamos que qualquer um veja, que seja pra jogar tomates, fingir interesse ou fazer comentários inconvenientes... (11/06/2006)

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Outros fragmentos

"Sempre que me levanto
eu perco um novo pedaço
ouço os cacos rolando
a noite toda na escada"
(LYA LUFT, QUEDA LIVRE)

Trechos dispersos de diálogos por MSN...

Rodrigo Kháos diz:
arranco pedaços de mim e os substituo por material barato para agradar aos outros

Rodrigo Kháos diz:
Eu me mostrei em todos os defeitos, todas as erosões pessoais, me fragmentei, e me perdi em todas as direções. Ficar exposto é uma tragédia, eu diria
Rodrigo Kháos diz:
Como faz muito tempo, consegui recuperar uns "pedaços", mas tinha ficado exposto, vulnerável a todo tipo de desapontamentos

Rodrigo Kháos diz:
"Estou triste", parece caber a vida inteira dentro desse pequeno abismo feito de palavras.

Rodrigo Kháos diz:
Eu quando pego uma certeza nas mãos é um pouco como segurar algo que queime. E, não suportando, jogo tudo contra a parede. Resultado: certezas estilhaçadas, e eu pacientemente tento remendá-las.
(...)
Rodrigo Kháos diz:
Aqui do meu lado também não é diferente. Eu só uso um punhado de palavras para que ninguém ouça o zumbido do meu silêncio...

Rodrigo Kháos diz: ... a minha exaustão vem de perceber que, mal erguidos os alicerces do q imagino ser algo concreto (e, portanto, possível de ser levado adiante) eu com todo o meu caos me jogo em cima de tudo (do pouco contruído) e converto em ruínas (que doloroso: ruínas do que sequer chegou a ser!)
Rodrigo Kháos diz: E isso em relação a tudo, a todo momento